sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Criminologia

Saiu hoje no jornal a estatística de homicídios nos Estados brasileiros, fazendo uma comparação dos números dos anos 2000 e 2010. A estatística registra o número de homicídios por 100 mil habitantes, com resultados realmente interessantes para aqueles que estudam a ciência da criminologia, matéria que deveria ser promovida em profissão regulamentada de nível superior e com direito a mestrados e doutorados afins, definindo-se um salário de pujança e retumbante notoriedade, até mesmo instituir o Conselho Regional de Criminologia, haja vista a importância do crime na vida social, política e econômica do País.

A estatística aponta o Estado de Alagoas como campeão em crimes de morte, com a taxa de 66,8 mortos para cada lote de 100 mil habitantes, a entender, portanto, que 66 pessoas morreram e tem uma quase morta, tendo 80% do corpo já defuntado e ainda 20% em estado vivente, ou seja, um morto-vivo desses filmes de terror-comédia que abundam a TV a cabo. Acredito que o governo alagoano vai festejar a conquista do campeonato com trio elétrico e grandes nomes do meio artístico. Todavia, soa estranho o fato de Alagoas ser campeão da mortandade, Estado que visito frequentemente e nunca fui assassinado quando lá estive, nem integral nem parcialmente, e com todas as andanças na orla de Maceió, a devorar caranguejos e tapiocas e não morrer envenenado. Acho que o governo das alagoas andou molhando a mão do estatístico.

Surpreendente a posição do Espírito Santo em segundo lugar, vice-campeão em homicídios com 50,1 de assassinatos, um Estado tão quietinho que até mijar na rua era considerado ato de falta de educação e agora explode nas estatísticas do crime, uma conquista a ser enaltecida pelos políticos locais nos discursos eleitorais e nos panfletos publicitários. Com um pouco mais de esforço dos criminosos e divulgação institucional, tipo “Visite Vitória e Morra!”, o Estado poderá galgar o primeiro lugar e ser campeão brasileiro.

Rio de Janeiro e São Paulo decepcionaram, uma lástima. O Rio, que ocupava a segunda posição em 2000 caiu fragorosamente para 17º lugar em 2010. E São Paulo, do quarto lugar para o 25º, entrando na zona do rebaixamento. O último lugar pertence ao Estado de Santa Catarina, com 12,9 homicídios para cada 100 mil habitantes, mas os catarinenses estão em firme recuperação, graças às providências governamentais e aos incentivos oferecidos aos criminosos já aprisionados. Tanto São Paulo quanto o Rio de Janeiro alegam que a queda proporcional de assassinatos foi provocada pelo grande e rápido aumento da população, porém, medidas emergenciais estão sendo tomadas no sentido de acelerar os homicídios naqueles Estados, numa tentativa de pelo menos equalizar o número de crimes com o aumento populacional.

Vamos torcer, vamos cobrar.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O novo prefeito

Catafrino Tosamosca foi eleito Prefeito de Catulelê do Brejo em acirrada disputa eleitoral, vencendo por dois votos de diferença, dando margem às desconfianças e decisão de recontagem dos trezentos e vinte votos dos eleitores do Município, mas, ao final do somatório, o juiz em trânsito bateu o martelo e confirmou a vitória de Catafrino, motivo de muita festa e briga violenta no bar do Napoleão, resultando em três mortos e oito feridos, dos quais um morreu na ambulância-carroça, porque o jumento empacou no caminho e ninguém conseguiu convencê-lo a reconsiderar sua decisão, a gerar profunda discussão filosófica entre os presentes sobre a sabedoria ou asnice do asno, e todos esquecendo a situação do desditoso passageiro quase-defunto, pelo menos até aquele momento. Catafrino assumiu o poder e mandou, em primeira ordenança, jogar fora o quadro do prefeito anterior que o olhava desconfiado na parede do gabinete, e colocar seu retrato, foto antiga a registrá-lo abraçado ao pescoço de um boi sorridente, fato inusitado na época, tempo em que o gado era sempre carrancudo, emoldurado em madeira lavrada de belo efeito e motivo de efusivos elogios da vereança amiga, projeto produzido por antigo companheiro marceneiro, o qual foi devidamente recompensado mediante recursos do tesouro municipal, fato que surpreendeu o novo prefeito, a tomar conhecimento de que não precisaria mais mexer nos bolsos a procura de dinheiro, se bastava assinar um papel e dar ordem ao pagamento e as moedas tilintariam por encanto, a jorrar como água cristalina de uma fonte da montanha. O marceneiro advertiu, contudo, da necessidade de umas pinceladas de verniz na madeira nobre da moldura, com o intuito de perpetuar a obra e torná-la resistente às pragas da natureza, ou às sujeiras das moscas e varejeiras, que tão desagradável aspecto provocaria no passar do tempo, incômodo a desaparecer com ligeira limpeza de paninho úmido graças ao verniz aplicado, sugestão logo aprovada pelo prefeito e a pedir providências imediatas de alguém produzir um papel daqueles que, depois de assinado, faria surgir o dinheiro necessário num passe de mágica. Disse-lhe, porém, o guarda-livros da prefeitura que, neste caso, outros mais papéis seriam necessários para formar um conjunto a ser chamado de licitação, cujo objetivo seria saber o melhor preço do verniz e do aplicador, embora Catafrino Tosamosca exigisse de pronto o serviço do marceneiro, pessoa merecedora de toda a sua confiança e, afinal, autor da obra e pensador da ideia providencial. Pretensão merecida e justa, disse-lhe o guarda-livros, antigo atendedor das classes chefiativas e mandatárias, a não causar problema algum, a não ser um acréscimo no preço e lobrigar prováveis exigências de comissões aos fazedores de papéis e aos perdedores juramentados da concorrência pública. De tais pormenores não se deu conta o prefeito, se jorra um litro jorra um balde, a fonte era inesgotável, sem perceber que a aplicação do verniz já ultrapassava o custo da obra original, são curiosidades da governança e peculiaridades da burocracia, matéria que não lhe dizia respeito, como a explicar o vento forte de hoje e a brisa mansa de ontem, ou a chuva torrencial de amanhã, coisas obscuras da natureza desumana, qual esse monte de papéis despejados ao colo, a requerer o desenho do seu nome. Vem daí uma nova ideia, agora de um vereador alvissareiro, que, após vociferantes prolegômenos civilistas alardeados à platéia rude, sugere a prolificação da obra, a adornar as paredes de todas as casas, públicas, particulares ou de destinação duvidosa, e ser assim alvo de admiração da coletividade, principalmente na hora das refeições, como incentivo péptico à população em geral. Catafrino disfarçou constrangimento, mas diante da aceitação de todos os presentes - contumazes bajuladores oficiais - deu-se por aprovada a moção e novas ordens ao guarda-livros, agora um projeto de vulto já denominado de Operação Boi Sorridente, nome mais indicado diante da modéstia do novo prefeito. E assim foi a gestão de Catafrino Tosamosca, carinhosamente alcunhado nas esferas sociais de “amigo do boi”, de gestão marcada pela modernidade dos investimentos infraestruturais, sempre a confiar na constância do jorro das águas e na multiplicação das espécies celulósicas.     

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

E agora, Joseph?

Sabe-se que a paixão é inimiga da razão e o fanatismo é irmão gêmeo da demência. Este artigo é dirigido aos que conseguem afastar a paixão e raciocinar livremente, mas totalmente impróprio aos fanáticos.

A renúncia do Papa Bento XVI é um dos atos mais corajosos já vistos na humanidade. Sem meios de lutar contra o poder obscuro que avassala o Vaticano e, pior, não tendo condições de tornar público a devassidão interna sem a terrível consequência de arrastar a Igreja num caminho de lama, prefere a opção de retirar-se. Sua estratégia é fazer com que a renúncia abra os olhos daqueles que ainda não perceberam o jogo de interesses escusos que ocorre nos porões do Vaticano. Por incrível que pareça, muitos cardeais desconhecem a origem da podridão que os cerca, acreditando que a Basílica de São Pedro está imune às tentações humanas e diabólicas.

Em 2009, o Papa Bento XVI nomeou o renomado financista Ettore Tedeschi, do Banco Santander e ligado à poderosa Opus Dei, para assumir o Banco Vaticano e as finanças da Igreja. A intenção era de varrer as sujeiras, o roubo e a corrupção, e colocar em ordem a estrutura financeira da Santa Sé. Tedeschi, porém, bateu de frente contra portentosa oposição, muito mais forte do que supunha o Papa. O crime estava enraizado de tal forma que a única maneira de destruí-lo seria derrubar tudo e dar início a uma total reconstrução. Comenta-se que o Secretário de Estado, Tarcísio Bertone, liderava a quadrilha e tudo fez para que Tedeschi sucumbisse com os seus planos de moralização.

Em 1912, os altos membros da quadrilha aproveitaram-se do escândalo da venda de documentos sigilosos, crime praticado pelo energúmeno Paolo Gabriele, mordomo do Papa, para envolver Ettore Tedeschi, como se este tinha alguma coisa a ver com o ladrãozinho Gabriele. O Papa foi obrigado a destituir o seu amigo, e homem de confiança, do cargo de presidente do Banco Vaticano. Todavia, antes de sair, Tedeschi entregou ao Papa um relatório fulminante, no qual relatava e provava todas as mazelas encontradas. Tudo aquilo que Bento XVI já desconfiava estava ali provado e documentado.

“E agora, Joseph?”, foi a pergunta que ele fez a si mesmo. Denunciar? Expulsar os vendilhões do templo? Mandar prender a escória? E as consequências? O escândalo poderia abalar a própria estrutura da Igreja Católica e muito tempo levaria para soerguer-se fundada em suas cinzas. Impossível imaginar o grande sofrimento do Papa durante este período, apoiando suas reflexões em prolongadas orações ao Senhor, implorando Sua Luz e discernimento.

Decidir pela renúncia foi um ato de bravura e inteligência. Ele cai, mas com ele caem os demais. Numa enxurrada, vai-se o Secretário Bertone, e mais os seus asseclas, assim espera e anseia o Papa. Nenhum cardeal pode agora dizer-se ignorante aos fatos, o Papa fez questão de denunciar os crimes existentes, a hipocrisia reinante, a luta interna pelo poder. Tudo agora vai depender da escolha do novo Papa.    

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A técnica de ministrar cursos e proferir palestras

Anos e anos atrás, quando resolvi ministrar cursos de capacitação profissional, fui fazer mestrado em Docência Superior para aprender os rudimentos técnicos da arte de falar em público. Algumas matérias em nada ajudaram; outras foram importantíssimas, talvez mais em função dos professores do que pelo programa de cada uma. Enfim, não me considero especialista, muito longe disso, mas aprendi alguma coisa no passar dos anos e graças ao mestrado realizado.

Os americanos costumam contar uma piadinha ao iniciar suas palestras e, por isso, vários palestrantes brasileiros adotaram essa prática como se fosse um dogma obrigatório. Outro dia, li no jornal que o ex-presidente Lula usa a mesma piadinha em todas as palestras: pede água e diz ao público que quando era presidente não precisava pedir, um monte de gente já estava de prontidão para servi-lo. Ah-Ah-Ah! Muito boa, mas repetir a mesma piada cansa. É preciso mudar o repertório. De piadinha repetida, só os puxa-sacos caem na gargalhada.

Outro aspecto importante: conhecer a matéria não significa, por si só, saber comunicar-se. Outro dia, ouvi palestra de um técnico respeitado, porém, o coitado tinha um terrível vício de linguagem: repetia insistentemente a expressão “entendeu?”. Era assim: “Estou aqui (entendeu?) para falar sobre o IPTU (entendeu?)... Conceitos e jurisprudência (entendeu?)...”. Deus do Céu! Ninguém aguentava mais aquele “entendeu, entendeu, entendeu”. E o ouvinte fica prestando atenção no “entendeu” e acaba não entendendo nada.

Teve outro que repetia “então”. Era “então” pra cá, “então” pra lá, não havia frase sem começar com o tal “então”. “Então... Como eu estava dizendo...”. Um saco! Os psicólogos dizem que o uso do “entendeu?” demonstra insegurança, e o “então” serve para dar tempo de raciocinar. Aos ouvintes, porém, uma grande chatice.

Outro defeito horroroso é o palestrante ficar lendo os slides que apresenta. Ora, se é para ficar lendo, distribua os slides para leitura e ninguém vai perder tempo de assistir a palestra declamada. Os slides servem como roteiro do palestrante, tais quais as fichinhas de antigamente, e não para leitura contínua.

Outro erro é o palestrante “poste”. Fica parado, estático, na frente do público, não dá um passinho sequer. Parece uma estátua, e ninguém consegue olhar uma estátua por mais de cinco minutos. Nem a Vênus de Milo.    

Mais um problema de palestra é o som. Às vezes, a culpa não é do palestrante, é da aparelhagem de som. De acordo com a posição de quem fala, o som dá uns chiados angustiantes. ZIMMMM – BROMMM – BRUMMM. O palestrante esperto deve evitar certos lugares no palco, que desgostam e provocam veementes protestos do equipamento.

Todavia, há situações em que a culpada é a voz do palestrante. Tem aquele que fala para dentro, como estivesse confabulando com Deus, conversa íntima que os outros não podem ouvir. Todo mundo se agonia, espichando o pescoço numa tentativa inútil de participar da conversa. Já têm outros com vocação de tenor de ópera: falam em tom moderado e, de repente, dá um grito, um verdadeiro dó sustenido de arrancar os tímpanos. Um ilustre e brilhante jurista tem essa mania: tece os seus comentários mansamente, em tom suave de ninar criancinha e, repentinamente, solta um grito que acorda até defunto. Fui com um amigo assistir a palestra desse famoso jurista e, durante a cantilena suave, este amigo dormia profundamente, ronronando ao meu lado. De súbito, o palestrante fez valer a sua fama e soltou um poderoso dó sustenido de peito, fazendo o meu amigo acordar de um pulo e aplaudir entusiasticamente, para surpresa de todos. Pensou que era o gran finalle do concerto.