sexta-feira, 8 de julho de 2011

Manicômio Fiscal XIX

Cenário: Repartição da Fiscalização de Posturas. Personagens: Fiscal e uma idosa senhora, magrinha e pequenina, toda vestida de preto e portando bolsa a tiracolo e um guarda-chuva, apesar do dia ensolarado e céu azul de brigadeiro. Ela se expressava em tom baixo, mas de forma clara e incisiva.
Sobe o pano.
Senhora – Bom dia, cavalheiro. Estou aqui para fazer denúncias. Eu me chamo Senhorita Dulce, mais precisamente, Maria Dulce. Moro no bairro do Sofrimento, na Rua do Calvário.
Fiscal – Bom dia, dona Dulce. Qual é a denúncia?
Senhora – Bem, vamos ver...
(E retirou da bolsa um grosso livro de capa preta).
Senhora (folheando o livro) – Em primeiro lugar, vamos tratar do morador da casa número 102. No dia 18 deste mês, ele jogou um sofá velho no canal do rio. Precisamente, às 6 horas e quatorze minutos.
Fiscal – A senhora viu?
Senhora – Claro que eu vi. Faço plantão na janela da minha casa a partir das 6 horas e anoto todas as irregularidades. O senhor não vai tomar nota?
(O Fiscal, em tanto constrangido, puxa uma folha de papel e finge anotar).
Senhora – Acredito que uma folha somente não vai ser suficiente, mas se o senhor tiver uma letra miudinha, talvez seja possível.
Fiscal – Tem mais denúncias?
Senhora – Eu estou apenas iniciando. No dia 20 deste mês, mais precisamente, às 21 horas e vinte e dois minutos, um bêbado passou cantando alto na rua. Vestia bermudas e estava sem camisa, apesar da friagem da noite.
(O Fiscal fingia que tomava nota).
Fiscal – Mais alguma coisa?
Senhora – São inúmeras denúncias... Este mês foi rico em irregularidades... No dia 21, às 15 horas e oito minutos, o carteiro bateu palmas na casa de número 108 e entregou correspondência ao proprietário. Este, ao examinar a correspondência, rasgou uma delas. Consegui enxergar, com o uso do meu binóculo, que parecia ser o carnê do IPTU.
Fiscal – A senhora tem certeza?
Senhora – Tenho certeza, levando em conta o fato de que, naquele dia, o carteiro entregava o carnê do IPTU em todas as casas. Mas, é bom o senhor anotar o agravante.
Fiscal – Que agravante?
Senhora – Não só rasgou, mas jogou na rua o carnê rasgado.
(E assim, a dona Dulce foi relatando todos os fatos apurados. Quase duas horas depois, ela encerra a narrativa).
Senhora – Bem, são essas as irregularidades do momento.
(Ufa! Pensou o Fiscal).
Fiscal – Está certo, dona Dulce, vamos ver o que poderemos fazer em relação às suas denúncias... Muito obrigado e tenha um bom dia.
Senhora – De fato, tenho que retornar, porque deixei a minha empregada me substituindo na janela, e ela tem ainda que arrumar a casa.
Fiscal (levantando-se) – Perfeitamente! Um bom dia pra senhora...
Senhora – Um momento, por favor. Gostaria que o senhor lesse tudo que anotou, porque no caso de qualquer coisa errada, podem me acusar de mentirosa, e isso eu não admito.
Desce o pano.

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