Cenário: Gabinete do novo Secretário Municipal de Finanças. Personagens: o novo Secretário e o Diretor de Fiscalização.
Sobe o pano.
Secretário – Eu chamei você aqui para nos conhecermos melhor e passar os meus planos para aumentar a receita.
Diretor – O senhor sabe que já coloquei o meu cargo à disposição, para o senhor ficar à vontade no caso de querer me substituir. Por mim, não será problema deixar o cargo, porque sou Auditor Fiscal de carreira e volto à minha função.
Secretário – De jeito nenhum! Não pretendo tirar ninguém, mas você terá de provar que está apto ao cargo.
Diretor – Com oito anos na função, acho que não preciso provar mais nada.
Secretário – Olha, eu venho da iniciativa privada, onde trabalhei quase quarenta anos. Nunca trabalhei em serviço público e posso lhe dizer que não gostei de nada do pouco que já vi aqui.
Diretor – Pode me dar alguns exemplos?
Secretário – Na sua área, por exemplo, o que é aquela sala onde entra um monte de contadores e fica cochichando com os Fiscais?
Diretor – O senhor está se referindo ao plantão fiscal?
Secretário – Pois é! Não gosto daquela intimidade de conversinha particular!
Diretor – Mas são assuntos sigilosos e não podem ficar falando alto.
Secretário – E você mesmo confessa que são assuntos sigilosos! Um grande indício de corrupção!
Diretor – Corrupção? Não estou entendendo...
Secretário – Meu caro, eu não nasci ontem! Vamos falar claro! E aquele sofá que você tem na sua sala? Para que serve?
Diretor – Ora, para atender as pessoas.
Secretário – Muita intimidade! Muita intimidade! Trate de trocar aquele sofá por duas cadeiras. Desde que vi aquele sofá, não gostei dele.
Diretor – Se o problema é o sofá, eu troco por duas cadeiras.
Secretário – Ótimo! Esse assunto está resolvido. E quanto aos Fiscais, acabe com aquela sala e mande todo mundo pra rua, pra fiscalizar. O dinheiro está lá fora e não aqui dentro.
Diretor – E quem vai atender os contribuintes?
Secretário – É pra isso que temos a central de atendimentos!
Diretor – Está bom, não vou discutir, acabo com o plantão fiscal.
Secretário – Pois é isso que eu quero. Outra coisa, eu vi a lista de serviços do ISS e está faltando muita coisa. Acho muito suspeito não constar, por exemplo, os bares e restaurantes. Essa cidade está cheia de bares e restaurantes!
Diretor – Bar e restaurante pra pagar o ISS?
Secretário – Exatamente! A partir de agora acabaram-se os privilégios!
Diretor – Secretário, bar e restaurante não pagam ISS...
Secretário – Pois acabou essa pouca vergonha! Todo mundo tem que pagar!
Diretor – Tem que fazer lei...
Secretário – De jeito nenhum! Eu faço uma portaria e incluo um novo item, mais ou menos assim: e todos os demais serviços não previstos anteriormente. Pronto!
Diretor – Cláusula bonde é proibida...
Secretário – Que bonde? Há quanto tempo não temos bonde na cidade! Bota metrô que algum dia ainda vamos ter.
Diretor – Cláusula metrô... Esta é boa...
Secretário – Você por acaso está ironizando? Pois saiba que agora a lei vai ser dura, dura lex sed lex...
Diretor - ... E no cabelo só gumex.
Secretário – Já vi que não vai dar pra trabalhar com você. Pode deixar o cargo que vou trazer um amigo, aposentado como eu, que também nunca trabalhou em serviço público, não tem esses vícios como você tem. Aqui está precisando de sangue novo, de mentes arejadas!
Desce o pano.