Era verão do
ano de 2028. No calçadão de Ubatuba passeava claudicante um idoso de 83 anos,
ajudado por uma bengala, quando viu outro velho a caminhar em sentido
contrário. Arregalou os olhos: “Zé! Zé Dirceu! É você mesmo?”. O outro levantou
os olhos e abriu um sorriso: “Lula! Meu amigo! Há quanto tempo!”. Os dois se
abraçaram emocionados e os olhos se banharam em lágrimas. Os dois ficaram
abraçados um bom tempo, até que Zé Dirceu conduziu o outro para um banco de
pedra, onde sentaram.
A conversa
inicial girou em torno do cotidiano de ambos, onde moravam, o que faziam, o que
estavam fazendo em Ubatuba. Depois, como sempre acontece quando velhos amigos
se encontram, vieram as reminiscências.
“Você veja,
Zé, estamos nós dois aqui sentados e todos que passam nos ignoram
completamente. Se fosse naquele tempo...”.
Zé Dirceu deu
um sorriso. “Nem estaríamos aqui sozinhos! Seguranças, um bando de puxa-sacos...”.
“Pois é, o que
acabou com a gente foi justamente aquele bando de puxa-sacos, tudo traíra”, disse
Lula.
“Nem todos,
não é mesmo? Tinha gente leal ao nosso lado”.
“Que fugiram
com o rabo entre as pernas quando a coisa enrolou”.
Lula alisou sua
barba branca. “Me diz uma coisa, meu querido, o que foi que fizemos de errado?”.
Zé Dirceu
tirou um lenço do bolso e enxugou o rosto. “A nossa meta era ficar 24 anos no
poder, mas para isso era preciso muito dinheiro. Só que a maior parte do dinheiro
acabava nos bolsos dos companheiros e não ia para o Partido”.
Lula se
agitou: “É o que eu digo: tudo traíra! Não precisavam ganhar tanto!”.
Zé Dirceu
disse baixinho: “Eu lhe avisei na época: não põe essa mulher no meu lugar”.
“Não me diga
que ela roubava também?”, perguntou Lula.
“Não! Não digo
que ela roubava, mas não era a pessoa indicada para assumir aquele cargo. Uma
desmantelada da cabeça! Odiava quem sabia mais do que ela e, por isso, odiava
todo mundo, menos os idiotas que a circundavam, como...”
Lula pousou a
mão no braço de Zé Dirceu: “Não precisa dizer nomes, conheci a turma”.
Zé Dirceu
desconversou: “E o tempo de cadeia? Assim como eu você sofreu um bocado, não
foi?”.
Lula deu um
muxoxo: “Ah, nem tanto. Não foi tanto tempo assim. Veio o habeas corpus e tudo
se resolveu”.
Zé Dirceu deu
uma risadinha: “Quem ficou uma fera com a sua liberdade foi aquele juiz lá de
Curitiba... Como era o nome dele?”.
Lula pensou,
pensou. “Juiz de Curitiba... Sabe que não me lembro do nome dele...”.
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