Cenário: Gabinete de uma autoridade da Prefeitura. Personagens: autoridade e servidor público.
Sobe o pano:
Servidor (na porta) – O senhor dá licença?
Autoridade – Oh! Como vai? Entre!
Servidor – Desculpe incomodá-lo, mas serei breve.
Autoridade – Em que posso ajudá-lo?
Servidor – Na verdade, em nada. Eu quero entregar ao senhor o meu pedido de exoneração...
Autoridade – Exoneração!! Você está saindo da Prefeitura?
Servidor – Estou sim.
Autoridade – Mas, por quê?
Servidor – Bem... Estou cansado, desanimado, desmotivado... Este é o motivo.
Autoridade – Você não pode fazer isso! Você é o melhor que eu tenho!
Servidor – O senhor me desculpe, mas não tenho a mínima ideia ou interesse em saber se sou o melhor ou o pior. Eu vou embora...
Autoridade – O problema é salário? Posso conseguir uma gratificação...
Servidor – Não senhor! O problema não é salário... É desânimo...
Autoridade – Desânimo? Pois é você que toca tudo, que cria tudo, que faz a coisa andar! Você é uma exceção no meio de uma turma de parvos, de indolentes, que vivem sem interesse, sem saber o propósito daquilo que estão fazendo!
Servidor – E talvez estejam certos... Cumprir a rotina, trabalhar sem se preocupar, escapulir quando podem, conseguir licença médica sem estar doente, ficar namorando no telefone, fazer hora no café, fazer fofoca, falar mal dos outros, reclamar do salário, criticar político, incentivar greve, pedir favores ao chefe... Finalmente, eu estou entendendo tudo...
Autoridade – Entendendo o quê?
Servidor – Que a esmagadora maioria age assim e a maioria está sempre certa. As exceções estão erradas, somos ingênuos em pensar o contrário.
Autoridade – O que você está falando não tem sentido. Sempre tem que existir alguém pra levar e conduzir o resto.
Servidor – A troco de quê, o senhor pode me responder?
Autoridade – Ora! A troco da eficiência, da melhoria, do aprimoramento dos serviços!
Servidor – E o senhor acha que alguém está se preocupando com isso?
Autoridade – Claro que sim! Eu, por exemplo, me preocupo!
Servidor – Eu sei, mas o senhor também é uma exceção, e as exceções não contam. O que conta é a mediocridade da maioria e esta mediocridade passa a ser a regra geral aceita e firmada como forma ideal de conduta.
Autoridade – Se pensarmos assim o mundo não progride, não desenvolve.
Servidor – E o senhor acha que a maioria pensa em progresso e desenvolvimento? Não senhor! Ao contrário, nós somos chatos e presunçosos na visão da maioria.
Autoridade – Eles têm é ciúme da gente, porque somos sérios, responsáveis e diligentes!
Servidor – O senhor está completamente enganado. Eles não têm ciúme da gente, eles têm desprezo do nosso esforço e ironizam os nossos atos.
Autoridade – Bem... Já vi que não adianta discutir com você. Saindo daqui, você vai fazer o quê?
Servidor – Minha família tem uma pequena propriedade rural. Vou viver lá, cuidar de horta, criar algumas galinhas e pescar.
Autoridade – Puxa, adoro pescar... Lá tem rio bom de peixe?
Servidor – O rio não é muito largo, mas é profundo, manso e sem correnteza, muito piscoso, já pesquei tucunaré de dois quilos.
Autoridade – Puxa... Tucunaré... Você sabe se lá tem alguma propriedade pra vender?
Desce o pano.
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