Cenário: Sala de Reuniões de uma instituição pública. Personagens: sentados ao redor da grande mesa, diversas ilustres autoridades públicas. Na cabeceira, a autoridade maior da reunião, que a preside.
Sobe o pano.
Presidente da mesa – Senhores! Convoquei-os para tratar de um assunto da mais alta relevância. Gostaria de discutir com os senhores as medidas que deveremos tomar contra um grupo de servidores desta Casa que insistem em não participar das nossas negociatas, das maracutaias e dos atos de peculato que tão zelosamente praticamos...
(a platéia murmurou um “ohhh” de espanto)
Um dos participantes – O senhor tem certeza que existe alguém assim nesta Casa? Eu já ouvi falar em moralidade, honestidade, mas sempre como retórica! Mas existir mesmo como coisa real! Impossível!! Nunca ouvi falar disso!!
Presidente – Provavelmente por que o senhor vive viajando e passa mais tempo em sua casa em Miami do que aqui, mas, infelizmente, posso assegurar que este mal já nos atinge, que gente deste tipo já infesta a nossa Casa. E não são poucos!
Uma participante (colocando a mão sobre a boca) – Que horror!
Presidente – Pois acreditem! E pior é que esse tipo de gente está proliferando e já podemos dizer que em todos os setores desta Casa encontramos gente dessa espécie.
Um participante – Não entendo... Como é que essa gente vive, sem um negocinho por fora, uma fraudezinha pelo menos?
Presidente – Segundo meus informantes, eles acham que podem viver só com o salário que recebem.
(Risada geral) – RÁ-RÁ-RÁ
Um participante – Pois está aí a prova daquilo que sempre sustentei, que os salários são muito altos, que devíamos reduzir os salários!
Outro participante – Derrubem o salário que a roubalheira prospera!
Presidente – Fora de cogitação! Nem pensar! A lei não permite reduzir salários. E, afinal, o salário não é tão alto assim.
Um participante – Tem razão! Não serve nem pra dar uma lavadinha. Eu, por exemplo, sou obrigado a manter uma loja e fazer palestras pagas de mentirinha. Um saco!
Outro participante – Ah, inventei uma maneira nova de lavar dinheiro. É muito boa...
(Um participante, já idoso e vestindo um impecável Armani, até agora silencioso, deu um soco na mesa:)
Armani – Vamos voltar ao assunto da reunião! O Presidente tem razão em se preocupar. Esse tipo de gente prejudica os nossos negócios, intromete-se nos processos fraudulentos em que participamos e acaba tirando o pão da nossa boca. E pior, é um vírus que se alastra.
Outro participante – O senhor tem razão, a honestidade é uma tragédia dos tempos atuais, corroendo os mais legítimos interesses dos indivíduos e a prosperidade da nação!
E outro participante – Será que esse pessoal não entende que é através do roubo que se distribui a riqueza deste país?
Presidente – É assim que eu penso. Ou tomamos providências imediatas, ou corremos o risco de perder as mamatas do ganho ilícito.
Uma participante – Oh meu Deus! Logo agora que eu pensava em comprar uma mansão nas margens do Lago Cuomo.
Outra participante (em conversa à parte): Você gosta da Itália, é? Eu prefiro Paris...
Presidente – Não vamos nos desesperar! Continuem com os seus projetos! Eu tenho um plano: em vez de lutarmos contra a honestidade, vamos trazê-la para o nosso lado!
Armani – Vai aplicar Maquiavel, Presidente?
Presidente – Isso mesmo! Maquiavel!!
Outro Participante – Não entendi...
Presidente – Antes de negociarmos o negócio com fornecedores, contribuintes ou quem o valha, vamos colocar um honesto para organizar o processo. Por ser honesto, ele vai criar todas as exigências de acordo com o disposto na lei, certo?
O outro Participante – Continuo não entendendo...
Armani – É simples, meu caro. Os valores vão aumentar e, logicamente, as comissões idem... (suspirando) ... roubar é uma arte que se inova...
Presidente (rindo) – Entendeu agora?
Participante – Mas... O honesto vai registrar tudo no processo...
Presidente – E daí? O senhor esqueceu que eu fiz uma compra de capas de processos de numeração igual?
Participante – Sim, me lembro... Rendeu até um bom dinheirinho...
Presidente – Mas não fiz só por causa do dinheirinho que recebemos. Podemos agora simplesmente trocar o processo.
Participante – Xiii! Vai dar um trabalho... Ficar trocando processo...
Presidente – Não se preocupe! Eu tenho uma filha que fez agora dezoito anos e eu vou nomeá-la assessora. A função dela será de ficar em casa, trocando processo.
Uma participante – Coitada de sua filha, Presidente!
Presidente – Que nada! Vou dar a ela uma participação e vai ganhando experiência. Além disso, essa juventude tem que aprender que roubar dá muito trabalho, ou pensa que é fácil?
Participante – Sempre pensei em montar um treinamento de falcatruas...
Outro participante – E vai entregar o ouro ao bandido, deixa de ser besta...
Outro participante – Não precisa de treinamento: roubar e coçar é só começar...
Outro participante – Senhor Presidente, desculpe dizer isso, mas essa garotada, com essa praga da honestidade... A sua filha não está contaminada?
Presidente (batendo na mesa) – Isola! Sai fora! Essa praga não entra lá em casa, nem que a vaca tussa!!
Desce o pano.
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