Lagônia é um
país que não tem dinheiro circulante e a população nada compra, só adquire. Não
existe patrimônio ocioso. De fato, um Estado peculiar e nesta última madrugada,
mais uma vez estive em Lagônia, a matar saudades, se lá a única permissão de
matar é exatamente a saudade, como consta no seu portal de entrada: “Aqui nada
se mata, exceto saudade”.
Resolvi
brincar com a recepcionista dos visitantes: “Aqui não posso matar a fome?”. Ela
olhou-me curiosa, franzindo os olhos: “Matar a fome? Não tem lógica, se ninguém
está a morrer de fome”. De tanto visitar o país, dei uma risadinha porque a
resposta já se sabia conhecida. Mas, ao meu lado, um visitante de primeira
viagem estava perplexo com o modelo de vida de Lagônia. Ele entrou na conversa:
“Mas,
senhorita, se eu for a um restaurante como pagarei se aqui não há dinheiro?”.
A moça tinha o
costume de franzir os olhos:
“Pagar? Se o
senhor estiver com fome, o senhor come. Simples assim. Não tem lógica pagar
para comer”.
O turista deu
uma risada:
“Então, vou
encher o meu prato!”
A
recepcionista:
“O senhor põe
no prato o que for suficiente para matar a sua fome. Não tem lógica desperdiçar
comida”.
O turista
insistiu:
“A senhorita
não recebe salário por trabalhar aqui?”
Franziu os
olhos:
“Salário? Eu
tenho tudo que preciso: casa, roupa, transporte, comida, assistência médica,
ensino... Não tem lógica receber salário; aliás, o que é salário?
“Ah, a
senhorita é uma pessoa rica, então?”
“Rica? Não sei
como se aplica essa palavra...”
“Mas a
senhorita não tem ambições?”
Ela deu um
sorriso:
“Ah, tenho
sim! Estou estudando biologia, quero ser bióloga!”
“E qual será a
diferença?”
“Ora, terei
mais orgulho da minha profissão e pretendo ser uma excelente bióloga. Minha
ambição é ser mais útil à sociedade!”.
Larguei de
lado aquela conversa dos dois e resolvi aproveitar mais o meu tempo, a passear
em Lagônia. Melhor do que ficar a ouvir aquela estranha discussão. Afinal,
nunca sei quando lá poderei retornar se não sou dono das minhas madrugadas.
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